quinta-feira, 28 de junho de 2012

Comer "em casa" estando fora de casa ... ou que é a Cozinha do Tinkuy?


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O ideal seria que os restaurantes desaparecessem... Dizia assim numa conversa durante o almoço uma pessoa amiga, amante da cozinha tradicional e do "slow-food"*, pois neles perde-se muito da essência e da magia do acto social de preparar, comer, desfrutar".  Eu acho que a compreendi.  Mas esta frase -e o que ela implicava-  ficou a dar voltas na minha cabeça por algum tempo...


E assim, contrariando estes dois extremos (cozinha de restaurante vs. cozinha caseira) aparentemente irreconciliáveis, decidi aventurar-me e dar vida a uma terceira possibilidade.  Nasce então em Novembro do 2010  este projecto que denominamos A Cozinha do Tinkuy, como parte da proposta e conceito do Centro Tinkuy, recém criado.


Não somos um restaurante. Não tencionamos ser. Somos uma cozinha de família que abre suas portas  para amigos e curiosos virem experimentar e partilhar connosco. Queremos manter o ambiente familiar e caseiro com qualidade e criatividade. Em todo caso gostamos da ideia de ser (ou caminhar a ser) uma cozinha-comunitária.


Nos sentimos parte das correntes actuais que abraçam a sustentabilidade, que consideram que existe suficientemente abundância no planeta para todos viver e ser felizes, que pensam que não é preciso alimentar-nos sacrificando animais.  Apoiamos a agricultura familiar, local e amiga do ambiente.
O nosso sonho seria iniciar o ritual da cozinha indo à horta, isto é abrir a porta da cozinha e ir apanhar o que for preciso para a ementa do dia.... Mas entanto a nossa hortinha está crescer em dimensão e variedade, apostamos por criar pontes com as hortas dos amigos-vizinhos que produzam seja com agricultura tradicional, orgânica ou permacultura.  As nossas escolhas então estão intimamente ligadas a como se produz o nosso alimento.


Dizíamos que não nos consideramos um restaurante, antes um espaço de experimentação a meio caminho da casa e da horta.


Na cozinha do Tinkuy há sempre lugar para os/as  curiosos/as, há sempre possibilidade de "meter as mãos na massa" e vir preparar connosco o alimento diário e depois degustar.


E para os que chegam só a hora de comer:  aqui podem espreguiçar a vontade, podem  ler e/ou dormir se assim apetecer, antes ou depois de comer. Ou podem andar de baloiço entanto servimos as entradas.  Podem trazer os bebés para brincar num colchonete pertinho da mesa onde se come... podem escolher a música que querem ouvir entanto comem, e podem pedir a receita do que acabaram de provar ou conversar longamente com a cozinhadora -de avental ainda posto... sobre a ementa e outros assuntos.


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Que tipo de cozinha fazemos?  peruana - de raiz andina / japonesa / macrobiótica / portuguesa /  preventiva / dinâmica / vitalizante / sazonal / intuitiva / super-prática/ meditativa, etc. ...... tudo isto junto as vezes, ou em proporções diferentes, dependendo de muitos factores.


Rótulos aparte, tentamos desenvolver capacidade de adaptação e de sintonia com o que o dia de hoje nos traz, com o momento presente, com a pessoa que chegou. Estas são qualidades que tentamos desenvolver , no público e no privado- na cozinha e fora dela...  além de paciência e organização, do tempo e do espaço...

Ser "cozinhadora" para um público em princípio desconhecido, é ai uma primeira questão.  Em casa, cozinha-se para uma idade determinada, uma situação específica, um estado de ânimo que sabemos ler, para uns olhos e umas mãos que conhecemos bem .... ou mais ou menos bem. Quando cozinhamos "para fora" ou para "o público"  toca afinar muito a intuição, tentar sintonizar e "conectar-nos" com quem virá provar dos nossos petiscos.  As vezes acertamos, as vezes nem por isso.


Dizia que estamos num barco.  Normalmente ao fim do dia sentimos ter chegado a bom porto, mas muitas vezes tenho gritado  por um (uma) salva-vidas.  Especialmente quando os minutos parecem voar ao aproximar-se as 13 horas, hora de abrir, ou quando depois de todo já consumado e consumido... ainda nos falta lavar e arrumar a loiça....


Sem querer mencionar uma longa lista de influencias cada vez que falamos do que fazemos (vegetariana, macrobiótica, vegana, biológica, consciente, vital, etc. etc.) escolho falar de alimentação integral e consciente porque penso reflecte bem o que sou e faço neste momento e porque sintetiza -de alguma maneira o meu percurso nos últimos anos.  Mas explicar isto com mais calma será motivo de uma próxima página.


Desde que no ano 1980 decidi ser vegetariana, muuuiiiita água já correu baixo a minha ponte e muitos vegetais já cortei....  e desde o ano 1993 em que comecei a seguir a minha mestra de cozinha, dona Bernadete Kikuchi, minha vida mudou e deu grandes voltas de 180 ou mais graus... não centígrados.
A culinária, para todos os efeitos, está sendo parte de meu crescimento como pessoa, o meu caminho de desenvolvimento pessoal. Escolho fazer isto porque me faz sentido e não só como profissão ou um meio de ganhar a vida.  Como diz minha maestra, considero (e cada vez mais) o Cozinhar como o Arte Fundamental da Vida. E eu digo e sinto que é um bela maneira de brincar com a vida e de servir aos outros.




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Faz dois anos decidi deixar de percorrer Portugal, onde andava a "dar aulas" de cozinha e também a cozinhar para grupos, eventos, festivais....  Quis experimentar como era poisar num lugar para concentrar esforços e experiências, e aqui estou.


Desde que abri as portas da Cozinha do Centro Tinkuy minha intenção era a de ampliar -quantitativamente e qualitativamente- a minha acção. E acho que estou a conseguir lentamente,  pelo menos tenho comprado panelas cada vez de maior tamanho... e já cozinhamos nos últimos tempos para públicos tão diversos como grupos de amigos, pessoas que celebram seu aniversário cá, turistas estrangeiros e nacionais, crianças, idosos, vizinhos ... e  para eventos que decorrem dentro ou fora das nossas instalações (workshops, retiros, seminários, etc.), ou eventos pontuais algures como festivais e férias  (Boom Festival,  Feira Alternativa de Lisboa, Encontro Alternativas de Sintra, etc.).


Sobre ter melhorado qualitativamente, ainda não sei avaliar.  Vocês e quem me conhece mais terá o que dizer.


E é neste espaço físico e emotivo que estou a aprender a apreciar cada dia como uma dádiva e como um mistério a desvendar, como um lugar onde me confronto comigo tal qual sou.  Quantos espelhos me oferece esta cozinha e todas pelas quais já andei!  Nelas por numerosos instantes sou imensamente feliz.


 Por isto tudo surge dentro de mim muitas vezes ao longo do dia a palavra "gratidão" ... seja nos momentos em que tudo corre às mil maravilhas, seja nos momentos em que algum dos cozinhados... queimou!...


Espero vossa visita,


Com gosto!


Isaura









*http://www.slowfood.com/


**Sobre os créditos de algumas imagens:
http://fotosyvideossad.blogspot.pt/2011/01/escenas-de-cocina-en-el-arte-3.html

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